terça-feira, 1 de abril de 2014

Apolo - apontamento de um poema em progresso

... e finalmente o dia rebenta
das dobras úmidas do alvorecer
no ar o bocejo amargo
cidade mal dormida que desperta

o caminhão do lixo e o gritar desmesurado dos garis
levam a biografia descartada
a história de cada ser em seus detritos

expiação daqueles que não fecharam os olhos ainda
golpe desfechado nas cortinas transparentes
...claridade...
limbo violentado
folhas desfalecidas à cabeceira
escritas com dor e parcimônia...

rascunhos de uma vida lamuriada
de uma vida curvada às portas da agonia
o que paira como ressentimento & culpa
não cabe num hai-cai
ou no Mahabharata

os segundos de metal cravando:
suspiros de impaciência
o café quente demais não termina...
parece sem fim como noite de insônia

abrir a janela respirar fundo o ar da manhã
que invade o peito
golpe de espada
o cigarro para retardar o começo de tudo
pensamento plúmbeo

o eterno pensar em si pensar na vida e um sentido
o começo, recomeçar
um plano a mais: reelaborar o ser
sem dor ou autocomiseração
mais um plano para o mês que vem

água morna caindo no corpo
mortas células escorrendo no desvão
fios de cabelo
descendo ao Hades
ao encontro do enorme detrito humano
monstro que não para de crescer

mas o sol ainda é o poema
que se sobrepõe
o sol ainda é um deus
acariciando as lápides obscuras
e não obstante o homem
a turvar a vida com sua melancólica ilusão
ele brilha...

2 comentários:

  1. De tantos e tantos planos para o mês que vem... somos filhos da procrastinação.

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  2. Verdade, querida! Creio que planos devem ser feitos para o dia vigente. Para a hora vigente: Qual o plano para agora? (claro, isso é tudo um plano) Beijos, dear

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