quarta-feira, 27 de maio de 2015

Livro

O que faço de mim, deste livro
Vário, que brotou sem rumo?

Anti-livro que se abre
Mudo, calcificado?

O que faço desta luz
Que me demora
E se me escapa?

Lírio livro orgânico
Sem direção ou unidade
Projeto para o pó

Vença em mim, afinal

O livro que brotou em mim.

Ela

Ela fala comigo como se eu fosse um feto num vidro
Ela é dura como um ábaco chinês
Um rochedo que não contrai limo
Um processador último modelo
Que nunca sabemos o último modelo

Mas eu lhe desejo o melhor
(O rancor não é azul metileno)

Já aprendi o suficiente
A cruz é um bálsamo

Ela é falsa comigo como se eu fosse um cão
(mas não ignoro seus dentes 
& palavras entredentes)

Hitler aprenderia com suas manobras
E as cobras se sentiriam frustradas

Não ouso destruí-la
Pois ela é o melhor que me aconteceu

O pior é melhor
Quando precisamos beijar o barqueiro
Por não termos moedas

Espero - preste
Longe termos nossos destinos

Duas almas distintas
Uma pregando a câmara de gás
Outra, fazendo versos

Eu sei que não sou deus ou cristo
Mas, mais que Blake ou Rimbaud

Eu conheço o inferno...

Antologia

Ao compulsar uma breve antologia
De poetas norte-americanos
Sempre atentava em datas:
Nascimento e passamento...

Deus, todos mortos!

Deus, todos vivos
Porque a obra está em minhas mãos
E nada susterá o canto
De Elizabeth Bishop
Ou Wallace Stevens

Suas vozes intactas
Acompanhadas pelo homem
Do violão azul


Prometo o perdão

Prometo o perdão
Para este corpo
No torso do tempo

Prometo livre-arbítrio
Para o reflexo
Perplexo de si

Prometo suster o mantra
Meu rosto da lama

Dou-te liberdade
Pode ir
Pássaro escuro
Drama escuso
Do íntimo de meus rins

Prometo não sufocar
O rouco som da minha voz

A prece que prometi, eis:
Concreto
Diamante
Plutônio

Prometo não pensar
Ir-me, só, neste rio...
Não pensar no pó
Que me espera

Prometo o riso
Ainda que lasso
Nessa vida resumida
A promessas




domingo, 24 de maio de 2015

Primeira Pessoa


Car je est un autre.

Arthur Rimbaud

Penso então
Na retidão escorregadia:
Primeira pessoa do singular

No confim desse pronome
Estão todos os nomes
Presentes ausentes futuros

Todos os lagos e o lodo
Toda pungência de uma rosa
E uma ferida acesa

Não se lava o pronome
Não se faz cirurgia no pronome
Ainda que um prenome
Brote malicioso
E febril

O eu
É um espelho
Que reflete a humanidade

O eu é um outro
És tu

Somos todos