Velho amigo
Whitman:
Preciso que
me ensines o entusiasmo de ver
Como se vê tudo
pela primeira vez – a flor os corpos
Os velhos
prédios as árvores a maçã
A ferida -
toda cartografia da minha América familiar
(Diferente
da tua América - da tua América que sonhaste)
E sentir como
vida adentrando meu coração
Velho amigo
que nunca me conheceste morto em 1892
(Mas que
tinhas certeza que um dia eu existiria
e escrevias
para mim também)
Me oferta o
segredo de amar sem culpa meu corpo
Elementar com
desejos íntimos
Preciso que
me ensines a amar os homens mulheres e as manhãs
Com suas
qualidades defeitos e palavras oblíquas
(Um grande
amigo me comparou a ti, meu velho irmão
Mas sei que
sou incompleto falho e preciso muito
Em noites de
insônia
Ler Os Cantos
de Mim mesmo
Para compulsar
em paz meu hoje de apontamentos
Planejar
minha força
Aprender a
simplicidade de uma alma nua despida de mágoa e rancor )
Velho amigo,
irmão:
Demonstra
com tua voz gasta e lúcida
A simplicidade
da poesia nos teus cantos
O abraço e o
afeto sincero de um homem sem ambições mundanas
Me faz
acreditar nas crianças que nos tratam
Como coisas
obsoletas sem valor
Me dá a
coragem de aceitar que sou quase esquecido
Pobre e
nunca verei a glória
Mostra-me
que a glória é nada
E o que se
sonha na solidão é tudo
Meu amigo
Que
adentraste em mim na minha barba gris
Quero o
poder dessa simplicidade
Pois tuas
folhas são minha bíblia epos amuleto
E minha
força de continuar escrevendo
Tuas folhas
despertam em mim a qualidade natural do amor
Tuas folhas
despertam em mim a resignação de seguir
Mesmo tendo
poucos ouvidos para me ouvir
E sabendo que
assim está certo
Ah, essa
força de escrever para todos que dormem,
Todos que
acordaram às 5 da manhã
Todos que sofrem
nas repartições públicas
Todos que
catam lixo todos que sentem frio
Todos os ricos
que desconhecem suas almas
Não sabem o
que é ter uma alma
Para os
professores que não são valorizados e também são poetas
Escrever para
todos mesmo que minhas palavras soem
Dentro de
uma caverna ou num pequeno quarto em Camden
Eu podia
seguir qualquer outro caminho
Mas sigo a
poesia - única força que me move
A poesia que começo a escrever
Quando a chaleira
anuncia o café da manhã.