terça-feira, 11 de agosto de 2015

Poema para Walt Whitman


preciso que me ensines o entusiasmo de ver como se vê pela primeira vez –
a flor os campos os velhos prédios as árvores a maçã a ferida que deixam os mortos -
toda cartografia da minha américa familiar
(diferente da tua américa – e da américa que sonhaste)
e sentir como vida adentrando meu coração

velho amigo que nunca me conheceste desaparecido em 1892
(mas que guardavas a certeza que um dia eu existiria e escrevias para mim também)
me oferta o segredo de aceitar sem culpa meu corpo
elementar com desejos limpos e profundos
preciso que me ensines a amar os homens mulheres e as manhãs
com suas qualidades defeitos e palavras oblíquas

sei que sou incompleto falho e preciso muito
em noites de insônia ler teus cantos
para encontrar em paz meu hoje de apontamentos
planejar minha força minha voz e ser eu mesmo
aprender a simplicidade de uma alma despida de mágoa e rancor)

velho amigo, irmão:
demonstra com tua voz gasta e lúcida
a simplicidade da poesia nos teus versos
o abraço e o afeto sincero de um homem sem ambições mundanas
me faz acreditar nas crianças que nos tratam
como coisas obsoletas sem valor
me dá a coragem de aceitar que sou quase esquecido
pobre e nunca verei a glória
mostra-me que a glória é nada
e o que se sonha na solidão é tudo

meu amigo
que adentraste em mim na minha barba grisalha
quero o poder dessa simplicidade
pois tuas folhas são minha bíblia epos amuleto
e minha força de continuar escrevendo

tuas folhas despertam em mim a qualidade natural do amor
tuas folhas despertam em mim a resignação de seguir
mesmo tendo poucos ouvidos para me ouvir
e sabendo que assim está certo

ah, essa força de escrever a todos que dormem,
todos que acordaram às 5 da manhã
todos que sofrem nas repartições públicas
todos que catam lixo todos que sentem frio
todos os ricos que desconhecem suas almas
não sabem o que é ter uma alma
para os professores que não são valorizados e também são poetas
escrever para todos mesmo que minhas palavras soem
dentro de uma caverna num pequeno quarto em camden ou pelotas

eu podia seguir qualquer outro caminho
mas sigo a poesia – a força maior que me move
a poesia que começo a escrever
quando a chaleira anuncia o café da manhã.

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