Ele decidiu depois de
uma crise – uma complexa crise que não era depressão - tirar a máscara do
rosto. Viu-se no espelho. Desde a adolescência não sabia como era o seu rosto.
Alguns traços ainda permaneciam do jovem de 17 anos, quando quis assumir a Persona. Agora estava velho, comum e sem
esperanças na eternidade. “Será que sempre fui comum? Será que tudo não foi uma
vã tentativa de dar sentido e amplificar a simpleza dos meus instantes? Será
que não troquei minha vida por um punhado de ilusão?” Perguntava a si, sem
desespero. Mas com o cansaço daqueles que já creem inútil se aprofundar. A
profundidade do pensamento traz desconforto e aproxima o ser do nada. Ele
sempre soube disso, mas insistia. Dessa vez não. Resolveu não perguntar mais;
nunca houve qualquer resposta satisfatória. Despiu-se da roupa que sempre foi
do seu personagem. Sentiu um calafrio por estar de volta, depois de tanto
tempo.
Após vestir-se com
casualidade e descuido, juntou todos os manuscritos e livros que foram seus
poemas durante mais de duas décadas. Carregou com sofreguidão para o pátio.
Montou uma cruz com madeiras velhas. Fez uma montanha e cravou o crucifixo no
cume da papelada. Álcool, fósforos. Os versos queimaram, a cruz queimou. A
fumaça fez com que seus olhos lacrimejassem. Sobras de suas edições estalavam
de prazer, sob a força do fogo. Não sobrou resquício do poeta ou da poesia.
Todos os vestígios de
seu trabalho em arquivos digitais também foram apagados. Mas sem nenhum ritual.
Apenas a tecla delete.
Por fim, deitou-se na
cama com alívio dolorido de quem arranca um peso das costas. O sol será sol, os
campos: campos, os sons serão os dos pássaros, carros e gritos.
A angústia acabou; a
beleza nunca foi alcançada, por mais que se exaurisse em noites sem dormir.
Naquela noite, enfim, dormiu profundamente.
Acordou pela manhã.
Fez as malas e enquanto tomava café percebeu: não precisava de malas. Também
não havia a quem dizer adeus. “Melhor assim,” pensou, “sem drama”. E partiu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário