segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Ainda há o café

Ainda há o café
O café puro da manhã:
Para o homem
Fruto estrangeiro do tempo -
Entre paredes cinzas
Da sua pequena casa onde
Guarda o mundo-amuleto
Ainda há o café aromático
Preto esfumaçante
Com sabor de alvorada
Uma cadeira para o domingo
E um silêncio fabricado por ilhas

No horizonte úmido
Não há navegadores
Para o verso amplo /para
As laudas de uma embarcação
Não há ouvido que interpretem
Um organismo de acordes
A forma íngreme de uma melodia

A sensibilidade é um país devastado
As pinturas viram gás e se dispersam
No corredor insólito
(Há olhar que as alimente?)
Todos compram em óticas
Imensas cegueiras

Acende um cigarro
Olha pela janela
Como se olhasse para um lugar
Que já não existe /e
Vai elaborando solidões.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

“Não há mais nada a perder”

Somente após a cicuta diária
De anos – decênios
Damo-nos conta que o corpo insiste
Em asas e afeição para o voo

Após partir a voz no grito cavo/ dia a dia
Enfim aprendemos o silêncio
Das madeiras mais sólidas

Depois de extremo temor, covardia
A nos engessar a musculatura e o olhar
Nasce uma face sobre a face
Que não teme ruga ou cicatriz

Somente depois de velhos, pensamos:
Não há mais nada a perder”
Na verdade
Nunca tivemos muito a perder
Duas ou três moedas
Que se extraviam no mar.

Que as estações levem tudo
Deixando apenas o pão seco

E um anúncio de estio.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

***

Essa gente que não é ninguém – Eu
Nós – desapercebidos como cães de rua
Temos em nosso íntimo sistemas solares
Um cosmo cravado na alma

Essa gente que não é nada – Eu
Nós que guardamos a gênese do mundo
Cavernas com pinturas rupestres ideogramas
Cavernas cheias de morcegos ouro códices
Mares cortantes e caravelas

Podíamos dinamitar
As estátuas da infâmia
Enraizadas numa história de dor
Ou nosso próprio corpo – semente de ossos

Mas nos contentamos
Em plantar fonemas no silêncio
Em colher os rastros da madrugada
Apartados do alarido, babel em chamas

Nós – que não somos nada
Sabemos a fragilidade do dia
Essa casca de ovo
Esse sonho oco.